A felicidade é um balão luminoso, cheio de hidrogênio, que nos escapa à mínima distracção. Ficar de mãos vazias acontece em apenas um segundo: a palavra fatal ou a ausência dela, o movimento incerto, o desencontro fugaz, a paralisia momentânea, a desatenção ínfima.
O inverso também é verdadeiro: viver no limbo da vida sem uma centelha é, num ápice, sentir o sopro da inspiração, o brilho da magia, a vertigem da emoção, a transcendência do gesto, o milagre do espelho, a plenitude tangível. Entre perda e ganho ou ganho e perda existem: um quotidiano ora colorido ora desbotado: uma corrida ora empolgante ora rotineira, por entre um tráfego sorridente ou sisudo; um conjunto de deveres inapeláveis; uma sentinela aos costumes; um pára-choques de valores e sentimentos confortantes.
É o nosso percurso, fascinante e insípido, dorido e tedioso, entre os dois limiares da vida: o nascimento e a morte: Assim sendo, há quem afirme que comandamos todas as nossas acções e quem defenda que somos objecto de um destino. Cada teoria tem uma margem de conforto que serve diferentes maneiras de ser: os líderes gostam do poder da liberdade e das escolhas; os submissos preferem colocar as responsabilidades em outrem; a maioria dos seres humanos desloca-se entre estas duas margens, ora acreditando na sua intervenção nos acontecimentos, ora aceitando o fatalismo das (não) coincidências.
Na realidade, todos nós precisamos de amortecedores para atenuar os impactos e cada um opta pelos que considera mais adequados.As munições culturais são uma zona de conforto, por vezes mesmo uma segunda pele onde nos refugiamos por necessidade de inserção na sociedade. As mudanças que se operam no mundo, porém, indicam sociedades plurais, em que cada um deve procurar entender a diversidade que o outro acrescenta, a bem de uma construção comum.
Esta é a atitude exigível, em diferentes níveis, aos agents da política e aos cidadãos. Percebe-se com cada vez mais clareza que não são as diferentes palavras esgrimidas numa só perspectiva que consubstanciam a luta política ou tocam o povo. O sentido das ideias consolida-se não na demagogia fácil, mas na profundidade do esclarecimento e na coerência da acção. A força da razão não se apoia no espctáculo mediático, ancora-se na participação e no trabalho, bem como na defesa das nossas convicções.
Os cidadãos têm direito às suas opiniões, ao seu esclarecimento, à sua participação. Não passiva, não predestinada, mas uma participação colaborante, reflectindo ideias, colocando dúvidas, enfrentando debates, exigindo clarificações, percebendo as diferenças. É tempo de o cidadão ser um contribuinte activo para a sua terra e de assumir a co-responsabilização das decisões, sem se refugiar na crença estéril de que apenas alguns são bafejados pela capacidade de intervir. É tempo de se exercer a cidadania por inteiro.
Afinal. Todos temos direitos a experienciar a transcendência do gesto. Ele fará a diferença nas nossas vidas.
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